As partituras da identidade: o Itamaraty e a música brasileira no século XX

Anaïs Fléchet

Desde a segunda metade do século XIX, os músicos brasileiros foram considerados um modelo de representação do país no exterior. A atuação de compositores e intérpretes brasileiros na Europa, na América do Norte e, a partir dos anos 1960, nos países africanos, foi celebrada na imprensa nacional com entusiasmo patrió tico. Elogiados por serem “esforçados propagandistas do Brasil no Universo”, os músicos eruditos e populares receberam frequentemente o título oficioso de “embaixadores” quando fizeram sucesso no exterior. Todavia, a noção de diplomacia musical foi até hoje pouco explorada pelos musicólogos, antropólogos, historiadores do cultural e especialistas das relações internacionais. Qual foi o lugar da música nas políticas culturais promovidas pelo Itamaraty? Quais foram as origens e principais realizações da diplomacia musical brasileira? Sobretudo, quais foram os compositores e intérpretes escolhidos para promover a imagem oficial do país no exterior?
O artigo analisa a gênese das partituras da identidade compostas pelo Itamaraty, enfocando os debates em torno da música nacional. A pesquisa, realizada no Arquivo Histórico do Itamaraty, discute duas principais hipóteses: 1) a diplomacia musical brasileira possui tempos, conteúdos e orientação política próprios, portanto não pode ser interpretada como simples reflexo das políticas culturais desenvolvidas a nível nacional; 2) a música, já usada pelos jesuítas nos tempos coloniais em virtude de seu suposto apelo universal, contribuiu para a criação de uma diplomacia original ao longo do século XX, oferecendo, junto com o cinema, um dos maiores sucessos das políticas culturais do Itamaraty.

Palavras-chave: música; história; Brasil; relações internacionais; diplomacia cultural; séculos XIX e XX.


Since the 19th century, Brazilian musicians have been considered cultural ambassadors by the national press and political authorities. The achievements of interpreters and composers in Europe, North America, and, since the 1960s, Africa, have been applauded by the critics with patriotic fervor. Celebrated for being “diligent propagandists of Brazil in the Universe”, classical and popular musicians were frequently called “ambassadors” for their success abroad. Yet, the notion of sound diplomacy is still little used in musicology, anthropology, and cultural history. What role did music play in the cultural diplomacy led by the Ministry of External Relations or Itamaraty? What were the origins and principal achievements of Brazilian sound diplomacy? Which musicians were chosen to promote the official image of the country abroad?
This article analyzes the genesis of the scores of identity composed by Itamaraty, with special emphasis on the polemics concerning the meaning of national music. The research realized in Itamaraty’s Historical Archive discusses two main hypotheses: 1) Brazilian sound diplomacy has its own tempos, contents, and political orientation, and can not be reduced to a simple reflection of national cultural policies; 2) music, already used by the Jesuits during the colonial period for its supposed universal appeal, contributed to the creation of an original diplomacy in the 20th century and, together with the film industry, offered Itamaraty some of its best cultural achievements.

Keywords:music; history; Brazil; international relations; cultural diplomacy; 19th and 20th centuries.