Percepções sobre raça nos debates abolicionistas no Brasil (1870-1888)

Jeffrey D. Needell

No estudo dos debates sobre a Lei do Ventre Livre (1871) e dos que levaram à Lei Áurea (1888), o uso da raça se apresenta complicado e revelador. Complicado porque, como muitos de nós nos demos conta há tempos, raça no passado (e com frequência ainda hoje) quase sempre se confundia com status socioeconômico e, por causa disso, a identidade racial era em geral desdenhada. No Brasil do século XIX, a palavra negro era compreendida como significando escravo. O uso é revelador porque, quando a distinção racial é diretamente mencionada, é rejeitada enquanto questão legítima (nos debates de 1871) ou abraçada enquanto tal (nos debates dos anos 1880). A razão para a diferença é tática. Em 1871, o debate ficou em geral confinado ao Parlamento e a mobilização política em torno de linhas raciais não era desejada por nenhum dos lados. Nos anos 1880, o abolicionismo tinha se tornado um movimento popular e a mobilização política em torno de linhas raciais era cultivada pelos militantes. Em ambos os casos, no entanto, aceitava-se a ideia de que o racismo era estranho aos usos brasileiros ou a de que contradizia os interesses nacionais – ou ambas. Tanto em 1871 quanto na década de 1880, também é interessante observar que o Brasil era tido como uma nação de cor.

Palavras-chave: Raça; debate racial; abolicionismo; identidade racial.


In studying the debates over the Law of the Free Womb (1871) and those over that led to the Golden Law (1888), the use of race is both complicated and indicative. It is complicated because, as many of us have understood for some time, in the past (and often today) race was conflated with socio-economic status more often than not and racial identity was generally spurned because of that conflation. In nineteenth-century Brazil, the word negro was understood to mean escravo. The usage is indicative, too, because when racial distinction is directly addressed, it is either rejected as a legitimate issue (in the debate of 1871) or embraced as one (in the debates of 1880s). The reason for the difference is tactical. In 1871, the debate was largely confined to Parliament and political mobilization along racial lines was not desired by either side. In the 1880s, abolitionism had become a popular movement, and political mobilization along racial lines was cultivated by Abolitionists. In both cases, however, the idea that racism rests – or both - - was accepted. In both 1871 and in the 1880s, it is also interesting to note that an argument was made that Brazil was a nation of color.

Keywords: Race; racial debate; abolitionism; racial identity.